Perguntas de Sandra Silva da Lusa, Julho/01 Respostas de Luís Moniz Pereira P1 - O que se define por Inteligência Artificial? Qualquer máquina tem I.A. ou ela é uma denominação mais restrita? R1 - A Inteligência Artificial é o estudo e realização dos processos ou mecanismos computacionais cognitivos genéricos, úteis para a compreensão e raciocínio sobre a realidade, e para a acção sobre ela. Por outras palavras, é a abordagem, em termos teóricos e práticos, da parte computacional da inteligência requerida para lidar com a realidade. A faceta teórica e abstracta da IA dá-lhe um carácter de ciência, a faceta prática e concreta dá-lhe um carácter de engenharia. Como em qualquer outra ciência, dá-se ênfase à invenção ou descoberta de abordagens, métodos e soluções gerais. Para atingir essa generalidade os processos ou mecanismos estudados não devem depender de nenhum suporte físico particular, por exemplo electrónico, mecânico ou biológico. O importante é qual a funcionalidade que é realizada, independentemente do substracto físico específico que a suporta. O computador é o instrumento privilegiado para o estudo da IA por se provar que permite simular e executar nele qualquer funcionalidade computacional. Tais funcionalidades, ao residirem no computador, ganham uma existência objectiva, observável e repetível, condições indispensáveis para o conhecimento científico. Uma máquina que empregue tais processos ou mecanismos é dotada de IA. O vocabulário da IA será portanto o mais apropriado para se falar dela. P2 - O que diverge entre um simples mecanismo electrónico e um mecanismo típico de uma máquina dotada de I.A.? R2 - Um computador é composto por muitos milhões de simples mecanismos electrónicos, cuja organização num todo complexo é determinante. Será dotado de IA ou não consoante as funcionalidades cognitivas genéricas com que for programado. Um termostato, que é um simples mecanismo electrónico, tem um comportamento inteligente, mas a sua única funcionalidade é extremamente restrita... P3 - Quais as futuras aplicações deste campo da ciência? Qual a sua real importância e aplicabilidade? R3 - O rápido desenvolvimento do software e hardware dos computadores, a ligação em rede dos sistemas de informação, e a necessidade de fazer estes sistemas funcionarem expeditamente e com inteligência estão a levar a uma difusão alargada dos conhecimentos e tecnologias da IA, em todo o espectro das infraestruturas da era da informação. Entretanto, muito do conhecimento adquirido pela investigação da IA ao longo dos anos está tendo usufruto em problemas e aplicações do mundo real, por oposição ao mundo do laboratório académico, ao mesmo tempo que esses conhecimentos são aprofundados e ampliados. Os benefícios económicos e sociais são enormes. Tecnologias como a dos sistemas periciais, processamento de língua natural (no nosso caso o Português), e a visão por computador, estão sendo usados numa variedade de aplicações, tais como no apoio à decisão, nos instrumentos de planeamento, nos sistemas de reconhecimento de fala, na identificação de padrões, na representação de conhecimento, e nos robots controlados por computador. As tecnologias da IA ajudam a indústria a fazer diagnóstico de falhas de máquinas, a desenhar novos produtos, e a planear, simular e escalonar a produção. Além disso ajudam os cientistas a explorar grandes bases de dados e a descodificar sequências de ADN, e ajudam os médicos a tomar decisões mais bem informadas sobre o tratamento de doenças específicas. As tecnologias da IA tornam também mais fáceis de usar e mais produtivos os sistemas mais vastos em que são incorporadas. Tais benefícios são relativamente fáceis de identificar embora a sua medição concreta seja difícil de fazer. Algumas das aplicações a breve prazo vão manifestar-se no uso da IA para auxiliar cada vez mais os cientistas a fazer investigação e atingir resultados científicos; no auxílio ao indíviduo para encontrar informação adequada às suas preferências, e ao fazer de escolhas, segundo os critérios que especificar, relativamente a produtos, serviços, e oferta cultural e turística; na compreensão da fala para efeitos de encaminhamento do atendimento e de dactilografia automática; na tradução semi-automática entre línguas; no diagnóstico médico e no uso de robots na sala de operações; nos sistemas de aprendizagem por computador; na vigilância e segurança robotizadas; nos filmes, e nos jogos, com personagens e cenários totalmente sintéticos; etc. P4 - Qual é o objectivo ideal de quem trabalha neste domínio? Recriar a inteligência humana num organismo artificial? R4 - Perceber os processos e mecanismos que tornam possível a inteligência e seu uso, independentemente de ela se manifestar no computador, no robot, no animal, no ser humano, ou no extra-terrestre, e neste ou naquele ambiente. P5 - Será que isso não altera o próprio conceito de inteligência? Ao demonstrar que é possível criar em laboratório aquilo que sempre se pensou ser a característica única dos seres humanos (capacidade de racíocinio)? R5 - A inteligência não é uma capacidade fixa e imutável. Ela evolui construindo métodos inteligentes adicionais. Além disso, a inteligência pode estar distribuída, como quando equipas de cientistas colaboram para resolver problemas que não saberiam resolver separadamente, e conseguem-no não apenas em resultado da especialidade de cada um mas pelas diferentes maneiras de raciocinar e abordar um problema. A inteligência é simbiótica. Por isso não existe oposição entre inteligência humana e da máquina. Evoluirão em simbiose, reforçando-se mutuamente. P6 - Existem já alguns exemplos de I.A? Quais? R6 - Robots que exploram os planetas e o fundo do mar; construção de personagens sintéticas com personalidade (avatares) nos filmes e jogos de computador; descoberta de compostos químicos com propriedades farmacológicas; máquinas que jogam xadrês (numa qualquer loja de brinquedos); controlo de tráfego aéreo e citadino; diagnóstico médico de emergência em hospitais; tradução semi-automática; demonstradores de teoremas matemáticos; adaptação inteligente às circunstâncias de máquinas fotográficas, carros, máquinas de lavar, turbinas de produção de energia e outras; mísseis e tanques de guerra autónomos; programas terapêuticos de auto-ajuda; robots de gestão de armazens; robots de limpeza de esgotos; vigilância aérea por robots autónomos de estradas, linhas costeiras, florestas, e ambiente; robots que jogam futebol; etc. --------------------------- A NOTÍCIA SAÍDA: Tecnologia : Inteligência Artificial - e o Homem criou o robô Agência LUSA 19 Jul-2001 No último filme de Steven Spielberg as máquinas deixam-se conduzir pelas emoções, mas nem só de cinema vive a inteligência artificial, um domínio que pertence cada vez mais à ciência e menos à ficção. No grande ecrã, Artificial Intelligence conta as aventuras de um menino-robô, mais humano que máquina, mas fora dele o filme teve o condão de chamar a atenção para uma disciplina que muitos ainda confundem com ficção científica. Como definiu à Agência Lusa Luís Moniz Pereira, director do Centro de Inteligência Artificial (IA) da Universidade Nova de Lisboa, CENTRIA, a IA é o "estudo e realização dos processos ou mecanismos computacionais cognitivos genéricos, úteis para a compreensão e raciocínio sobre a realidade, e para a acção sobre ela". Por outras palavras, trata-se de uma disciplina que visa estudar a inteligência num sentido lato, ou seja, não apenas o recolher informação, mas também o processar dessa informação, o "pensar" e agir em função desse processamento. Mas onde termina o mito da IA e começa a ciência? Um computador, explicou Moniz Pereira, é composto por muitos milhões de simples mecanismos electrónicos, cuja organização num todo complexo é determinante. "Será dotado de IA ou não consoante as funcionalidades cognitivas genéricas com que for programado", disse. Apesar de um robô como o que dá vida ao filme de Spielberg ser apenas fruto da magia do cinema, existem já exemplos de IA, como indicou Moniz Pereira. Os cientistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology) partilham o seu laboratório com Cog, um robô que tem olhos, duas câmaras de televisão como pupilas, e, por cima deles, sobrancelhas móveis, além de umas orelhas móveis também. Quando o robô põe as sobrancelhas de certo modo, explicou Moniz Pereira, mostra que não está a perceber o que lhe estamos a dizer, reagindo ele próprio às nossas sobrancelhas ou ao nosso sorriso. Para o cientista, esta apropriação por parte das máquinas de expressões até agora "exclusivas" dos humanos deve-se ao facto das emoções serem necessárias à comunicação. E, na senda de um melhor relacionamento com o homem, o computador vai precisar cada vez mais de as assimilar. No entanto, para além destes prodígios da tecnologia, existem já exemplos de IA na vida de todos os dias, antecipando um pouco do que poderão ser as máquinas do futuro e o nosso relacionamento com elas. Robôs que exploram os planetas e o fundo do mar, máquinas que jogam xadrez (como o famoso Deep Blue que venceu em 1997 o campeão mundial da modalidade, Garry Kasparov), dispositivos de controlo do tráfego aéreo e citadino, auxiliares de diagnóstico médico de emergência em hospitais, máquinas de tradução semi- automática, mísseis e tanques de guerra autónomos, são alguns exemplos enumerados pelo professor. O trabalho sobre a IA tem avançado de tal forma ao longo das últimas décadas (é ainda uma disciplina muito nova, com pouco mais de 50 anos), que o cientista português acredita que "encontraremos eventualmente mais depressa uma companhia mental artificial na Terra do que em distantes planetas, e os nossos primeiros emissários a essas paragens serão mais facilmente robôs do que nós próprios". Apesar disso, e um pouco na linha do Frankenstein, a ambição dos cientistas sempre embateu no mito da criatura que adquire liberdade própria e se revolta contra o criador. Um receio rebatido por Moniz Pereira, que recebeu este ano a menção de "fellow" do comité europeu para a IA (European Coordinating Committee for Artificial Intelligence - ECCAI), tornando-se no primeiro investigador português com esta atribuição. Tal como acontece com as crianças, "aos computadores também se lhes pretende dar capacidades que as tornem cada vez mais independentes, independentes de nós, o que não quer dizer que não estejam em colaboração connosco", explica. Isto é, será mais na simbiose, e não tanto no confronto, que tem de ser encarada a evolução e a acção das máquinas no futuro. Uma colaboração que já existe. "Muito do conhecimento adquirido pela investigação da IA ao longo dos anos está a ter usufruto em problemas e aplicações do mundo real, por oposição ao mundo do laboratório académico, ao mesmo tempo que esses conhecimentos são aprofundados e ampliados", indicou o cientista, que acredita que os benefícios económicos e sociais do desenvolvimento desta ciência serão enormes. Um exemplo premente, e que traduz a potencialidade das aplicações a breve prazo da utilização da IA, é o auxílio na investigação e na obtenção de resultados científicos. Interrogado sobre o objectivo ideal para quem trabalha neste domínio, Moniz Pereira sublinha que o que é verdadeiramente fascinante é "perceber os processos e mecanismos que tornam possível a inteligência e seu uso, independentemente de ela se manifestar no computador, no robô, no animal, no ser humano, ou no extraterrestre, e neste ou naquele ambiente". Por isso, como disciplina científica e como tecnologia que se dedica à automatização da obtenção de conhecimento, do raciocínio, e da acção, a IA será cada vez mais um instrumento de outras ciências, sejam elas naturais, económicas, humanas, ou sociais, concluiu. "O Homem e o computador estão em evolução conjunta, já que o Homem evolui com os seus instrumentos. O que somos hoje só podemos sê-lo porque inventámos o fogo, porque inventámos as armas, porque inventámos as vacinas, a agricultura, tudo isso. O computador não é mais do que uma continuação natural dessa evolução", considera Moniz Pereira. A fábula do Pinóquio do século XXI está a ser um êxito de bilheteira nos Estados Unidos, numa das raras vezes na história do cinema em que o espectador torce mais pela máquina, e não tanto pelas pessoas que a rodeiam. Um espectador que desconhece, muitas vezes, que existem milhares de Gepetos nos laboratórios de todo o mundo. SCS Lusa