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Fotos de um campeonato mundial de futebol diferente. No Robocup 2000, todos os jogadores eram robôs

 

R2 está no centro do campo. Olha para um lado, olha para o outro, finta um adversário, vai à linha e cruza para HT4, que domina a bola e remata, batendo Cybernetic, o guarda-redes da equipa adversária. Não se trata de futebol em código, nem de uma linguagem cifrada qualquer. Mas poderia ser assim o relato de um dos jogos da Robocup 2000, o Mundial de Futebol para robôs que decorreu em Melbourne (Austrália), em Setembro e que teve dois portugueses entre os vencedores. 

O futebol jogado por robôs é apenas uma das maravilhas com que sonhávamos para um futuro muito remoto ou víamos em filmes empolgantes de ficção científica. É que já podemos, pelos mesmos princípios que levam os autómatos a jogar à bola, ligar os nossos electrodomésticos em rede, regar as plantas do jardim com sistemas de rega automática, ou, muito simplesmente, utilizar o sistema Windows. Esses princípios pertencem a um ramo da ciência informática, a Inteligência Artificial, tão velha quanto os computadores. Aos 50 anos, este ramo do saber permitiu, com uma rápida evolução, tornar autónomas certos tarefas humanas. 

«Todos nós temos a experiência, que não precisamos de usar um computador para o Word, nem outro para o Excel, é sempre a mesma máquina. E pouca gente se pergunta porque é que o mesmo computador serve para tudo» - explica Luís Moniz Pereira, coordenador do Centro de Inteligência Artificial (CENTRIA) da Universidade Nova de Lisboa - «É uma máquina, afinal de contas, que é capaz de calcular qualquer função que possa ser calculada». Ou seja, qualquer instrução dada a um programa informático, como o Word ou o Excel, é uma função que o computador vai calcular e executar. 
Ao darmos a ordem ao programa - por exemplo, escrever um texto no Word e gravá-lo - podemos prever o que vai acontecer e, quando erramos, sabemos localizar o erro. Não há nada de novo nesta capacidade dos computadores. A grande novidade aparece quando o computador consegue decidir, sozinho, qual a solução a adoptar para um problema que lhe apresentamos. Neste caso, sem depender do nosso pensamento para agir. E, além disso, pode localizar um erro e emendá-lo, pode prever determinadas situações, aconselhar e mesmo dirigir outros mecanismos. É o que se passa, por exemplo, com os computadores que executam programas de controlo aéreo - e coordenam os mecanismos de um avião - ou com a rede eléctrica nacional, «gerida» por um sistema informático que consegue prever e solucionar problemas, sistematicamente. 

É também o que acontece, noutras áreas completamente diferentes, em que é preciso agir depressa. No Hospital de Pittsburgh (EUA), já é possível fazer um diagnóstico rápido de doentes que entram para as urgências com traumatismos. Criado por uma equipa mista de engenheiros informáticos e médicos, o Traum-Aid consegue identificar, a partir de alguns dados, os sintomas do doente e indicar o diagnóstico - a partir de uma série de sintomas que identifica imediatamente, aos quais aplica a informação contida na sua memória -, mais rapidamente do que qualquer médico. Trata-se de uma ajuda preciosa, se pensarmos, como diz Moniz Pereira, «no caso dos países de Terceiro Mundo, nas situações em que os centros clínicos não têm médicos: uma máquina deste tipo poderia, pelo menos, encaminhar o doente para um especialista de uma forma rápida»

Inteligência nacional

No CENTRIA também se desenvolvem projectos inovadores com recurso à Inteligência Artificial. Criado em 1997, faz parte da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial, juntamente com o Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores da Universidade do Porto. Além do ensino e da investigação, desenvolvem projectos para instituições e empresas. 

A equipa de 55 investigadores do CENTRIA leva a cabo, neste momento, trabalhos em várias frentes. Entre mais de 30 projectos, destacam-se alguns de automatização, ou seja, de desenvolvimento de programas que «arrumem» informação, quando esta excede a capacidade de consulta. Um dos «clientes» do centro é a Procuradoria Geral da República, cujo número de ficheiros e documentos sobre pareceres jurídicos já vai para lá do que é humanamente possível localizar ou comparar para novos casos de interpretações jurídicas que apareçam: «Trata-se de um programa para tentar tornar mais fácil a consulta dos pareceres, por analogia com situações semelhantes, se já existe algum outro parecer que se aplica àquele caso» - justifica Moniz Pereira - «Até para não se contradizerem... Ou para se inspirarem num novo caso que pode ser semelhante mas pode ter algumas diferenças. Neste caso, convém explicá-las. Isso envolve um processo de arrumação dos pareceres conforme certas categorias conceptuais»

Outro dos trabalhos que envolve directamente Moniz Pereira - que colabora, também, com uma empresa norte-americana - é a da automatização do DSM4, uma espécie de «manual» utilizado pela Psiquiatria. «Qualquer psiquiatra o conhece, é um calhamaço...» - diz, irónico - «Permite, face às manifestações dos sintomas, fazer o diagnóstico de acordo com as regras aprovadas pela Associação Americana de Psiquiatria. O programa que estamos a desenvolver pode adaptá-lo para determinados diagnósticos que ele não incluiria ou, por outro lado, não excluiria». Ou alerta, ainda, o médico para «informação complementar que poderá obter ou pode decidir entre diagnósticos alternativos». O programa permite também ao médico a hipótese de apresentar cenários hipotéticos dos sintomas. 

Mas a Inteligência Artificial pode actuar noutros cenários, tal como o da tradução automática, autêntico quebra-cabeças para eurodeputados e funcionários da União Europeia, quando querem dar seguimento rápido às suas propostas. Ao contrário do que já podia ser feito a este nível com outras línguas europeias, o português não tinha, até agora, as mesmas capacidades de tradução. Mas um programa de tradução e retroversão automática vai permitir, por exemplo, que ao acabar de redigir a sua proposta ou intervenção no Parlamento, um eurodeputado português possa, automaticamente, traduzi-lo para versões em inglês e francês e imprimi-la. Permite, ainda, outras aplicações, «capazes de melhorar a capacidade do profissional de tradução em 25 ou 30%», de acordo com Moniz Pereira. 

Luís Moniz Pereira, coordenador do Centro de Inteligência Artificial

 

O CENTRIA trabalha também com a Marktest, no desenvolvimento de um programa que permite, a partir dos resultados das sondagens de audiências feitas por aquela empresa, definir o padrão, ou vários padrões, de telespectadores. Além destes projectos, Moniz Pereira desenvolve um programa, em colaboração com uma empresa que comercializa produtos ligados à Inteligência Artificial, a Heurística, para a Agência de Defesa norte-americana. 

Apesar deste desenvolvimento surpreendente, levantam-se ainda várias questões sobre a capacidade das máquinas. É que a Inteligência Artificial não é uma ciência estanque, está sempre a progredir. Além disso - e, talvez, por causa disso - a complexidade dos computadores permitiu levá-los a «pensar», o que só pôde ser feito através de trabalhos em equipa, que exigiam um número cada vez maior e mais diversificado de especialistas: cientistas da área da Matemática, da Informática, da Linguística e da Engenharia podem unir esforços e criar um programa, uma linguagem ou um dispositivo novo. Porém, o que é mais fascinante na Inteligência Artificial é que qualquer trabalho exige alguém com um conhecimento mais particular na matéria. O Big Blue, o computador «jogador de xadrez» que bateu Kasparov ao fim de uma série de partidas, foi programado por uma equipa que incluía, também, campeões de xadrez. O ex-campeão não jogou, na verdade, contra uma máquina sobredotada, mas contra o conjunto de conhecimentos de um grupo de especialistas que estava sintetizado naquele computador. 

«A inteligência artificial apresenta os problemas que nos fascinam desde sempre: como é que pensamos? Como é que temos consciência? Como é que comunicamos?» - reflecte Moniz Pereira. «Desse ponto de vista, o computador é uma espécie de 'proveta da mente'». Porque quando colocamos as nossas teorias filosóficas no computador, podemos ver se elas funcionam ou não. Não estão só a funcionar na nossa cabeça, «passaram a ganhar uma existência exterior, observável, que outros podem ver e nós podemos repetir a experiência». Os medos milenares em relação ao poder das máquinas sobre o homem podem também desfazer-se, pela primeira vez na História. Toda esta gama de soluções permite pensar, finalmente, que a ficção é, hoje, realidade. E desfazer os mitos dos revoltosos replicantes de Blade Runner ou de HAL, o computador da nave espacial de 2001-Odisseia no Espaço, que controla todas as funções do voo e que se rebela contra a tripulação. Porque, segundo Moniz Pereira, «o computador complementa o homem. E este estabelece uma simbiose com todos os seus instrumentos. Sem eles, não era homem, não era nada: sem as suas cidades, os seus transportes, os seus métodos de conservação de alimentos, etc., etc. Por isso, acho muito simplistas as oposições homem/máquina: são muito mais do foro psicanalítico, porque, na verdade, é desejável que vivamos nessa simbiose». O computador é, afinal de contas, o espelho do homem, para o bem e para o mal.

RICARDO NABAIS

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Última actualização em 18/11/2000 às 04:25:13.
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