mestrado 2002-03 em
Inteligência Artificial Aplicada
MIAA 2002/03 Disciplinas

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O que é IA

O que é a Inteligência Artificial?

por Luís Moniz Pereira

Professor Catedrático da UNL

Director do Centro de Inteligência Artificial - CENTRIA

Artigo complementar

Definição

O campo da Inteligência Artificial (IA) pretende compreender as entidades inteligentes. Uma das razões para as estudar será para nos compreendermos melhor. Ao contrário da filosofia ou da psicologia, que também se interessam pela inteligência, a IA pretende ainda construir entidades inteligentes, e nesse aspecto é uma ciência do artificial, semelhante a uma engenharia, ocupada com a totalidade dos aspectos relevantes às suas construções.

Torna-se claro, no seu breve tempo de existência, que a IA tem produzido artefactos significativos e empolgantes, e que o seu impacto na nossa vida diária futura e no próprio rumo da civilização será enorme, em conjugação com a Ciência da Computação, a Biologia, e a Vida e Sociedades Artificiais. Antevê-se-lhe um papel de relêvo numa inevitável rede mundial de informação e conhecimento, sucedânea da actual WEB que é na sua maior parte passiva, e a qual virá a ter capacidades racionais, de introspecção e de monitoração, e ainda de iniciativa.

Sendo uma disciplina muito recente, iniciada em 1956, apesar dos muitos resultados tem, como seria de esperar, muitos e entusiasmantes problemas de fundo em aberto. Tendo o estudo filosófico da inteligência mais de 2.000 anos, só o advento dos computadores modernos no início dos anos 50 veio permitir passar da especulação de poltrona à realização de modelos funcionais in vitro, i.e. no computador, e portanto com um comportamento observável e repetível, ou seja, objectivo.

Sem pretender imitar os humanos ou animais, mas podendo inspirar-se neles, os sistemas de IA são os que pensam e agem de forma racional, e se modelam e implementam em termos computacionais. Computador, redes, robots, e hardware informático especializado permitem executar os algoritmos, percepções, e acções necessárias.

Em síntese, no seu núcleo, a IA é uma disciplina científica que utiliza as capacidades de processamento de símbolos da computação com o fim de encontrar métodos genéricos para automatizar actividades perceptivas, cognitivas, e manipulativas, por via de algoritmos. Recorde-se que um algoritmo é um método seguro e rigoroso para atingir um resultado. A IA comporta quer aspectos de psico-análise como de psico-síntese. Possui uma vertente de investigação fundamental analítica acompanhada de experimentação, e uma vertente de síntese engenheirística, as quais, em conjunto, estão a promover uma revolução tecnológica: a da automatização de faculdades mentais por via da sua implementação em computadores.

Áreas da IA

Funcionalmente, as principais áreas da IA podem organizar-se assim: a Resolução de Problemas, a qual inclui os Métodos de Procura e os Jogos; a Representação de Conhecimento e Raciocínio, onde cabem as Bases de Conhecimento, a Lógica e a Inferência, as Restrições, a Incerteza, e os Métodos de Decisão; o Planeamento de Acções, onde se inserem a respectiva Distribuição e Cooperação; a Aprendizagem, que abarca a Indução, o Clustering, as Redes Neuronais, e os Algoritmos Genéticos; a Comunicação, a qual compreende a Linguagem Natural,escrita e falada; a Percepção e Acção, que envolve a Robótica; os Agentes, singulares e em colectivo; e os Fundamentos Filosóficos e Cognitivos.

Muitos são os ramos do conhecimento com que a IA tem um forte entrosamento: Ciências da Computação e Computadores, Filosofia, Ciências Cognitivas, Linguística, Lógica, Psicologia, Matemática, sem falar das suas múltiplas aplicações numa variedade de domínios.
 
 

A IA como Simbiose

O computador torna possível o projecto ambicioso da IA porque é uma máquina que processa símbolos de forma automatizada e eficiente, e com a maior generalidade. Básica para perceber essa generalidade é a distinção entre hardware e software, rica em consequências. Nomeadamente, ela explica a não obrigatoriedade de correspondência entre o processamento de uma certa função, por exemplo cognitiva, e o suporte material que executa esse processamento. O hardware, no nível físico do computador, não é específico apenas de uma função realizada pelo software, antes possibilita a execução de qualquer uma função definida pelo software. Digamos que é o software que comanda o hardware.

A IA só é possível em virtude dessa independência. Caso contrário, estar-se-ia a estudar a inteligência do computador A, a facilidade de aprendizagem da máquina B, a fluência do autómato C, ou a capacidade de decisão do cérebro D. Isto é, tudo em particular mas nada em geral.

Aceitemos as duas premissas, de que o cérebro tem em grande parte uma componente de processamento de símbolos, e de que há em grande parte um independência do hardware em relação ao software. Ou seja, de que podemos discutir as questões de processamento de símbolos que executam as funções mentais do cérebro sem fazer apelo às operações orgânicas que as suportam, podendo ao invés suportá-las no computador.

Então, o computador permite-nos explorar melhor o nosso conhecimento sobre certas dimensões do pensamento, tanto pela sua capacidade de retenção e processamento preciso de informação, como pela sua velocidade, surgindo-nos como um instrumento que é uma espécie de telescópio da complexidade. De facto, se com o telescópio passámos a ver o mais longe, com o computador passámos a ver o mais complexo. Ele é na verdade o primeiro instrumento com quantidades significativas de memória passiva, manipulável de forma rápida, racional, e automática por uma memória activa, na forma de instruções memorizadas, permitindo ipso facto uma complexificação ilimitada.

Mas a IA passa por uma simbiose. Não há, segundo creio, uma forma de pensar fixa e imutável. As formas de pensar evoluem, aperfeiçoam-se, e combinam-se. Em última análise, a IA é, e continuará a ser, o resultado se uma simbiose entre a forma de pensar do homem com as potencialidades que a máquina lhe acrescenta. Esta aparece como um reflexo, um espelho epistemológico do homem, enquanto programador da máquina, sem esquecer que esta poderá evoluir por si. O novo e maravilhoso instrumento activo que é o computador animado de IA provoca-nos a imaginação, e com a ajuda da invenção permite-nos explorar possibilidades e elaborar mundos artificiais com os quais dominamos a realidade.

O resultado final é uma complementaridade simbiótica, em que as limitações da IA não serão mais que as nossas próprias limitações enquanto criadores, pois que o barro computacional é infinitamente moldável.

O próximo milénio: prognósticos

A IA é uma disciplina jovem, que não tem ainda 50 anos. As questões científicas que endereça e as realizações tecnológicas a que se propõe são das mais complexas jamais almejadas pelo ser humano. A crer na sua fruição, a inteligência e o espírito não serão apanágio do homem, que também nesse campo deixará de poder reclamar para si o centro do universo.

Aliás, encontraremos eventualmente mais depressa uma companhia mental na Terra do que em distantes planetas, e os nossos primeiros emissários a essas paragens serão mais facilmente robots do que nós próprios.

Como disciplina científica e como tecnologia que se dedica à automatização da obtenção de conhecimento, do raciocínio, e da acção, a IA será cada vez mais um instrumento de outras ciências, sejam elas naturais, económicas, humanas, ou sociais.

O próximo milénio verá a confluência da IA, da Vida Artificial, da Biologia, e das Neuro-Ciências. E inevitavelmente a IA distribuída e as Sociedades Artificiais. Haverá uma simbiose entre o Homem e entre a Humanidade com essas suas criações, com as quais vão evoluir conjuntamente, em direcção a uma entidade mental terrena com consciência própria.

A visão desse futuro deve levar-nos à consideração cuidadosa das opções desejáveis. Para congeminarmos e implementarmos essas opções precisamos de mais investigação e recursos, e não de menos. O "bug" do ano 3.000 não deverá existir, mas se ocorrer será porventura pela nossa displiscência em lançar os fundamentos de uma ética artificial, pela qual respeitemos e nos façamos respeitar pelas nossas próprias criaturas.

Organização da IA em Portugal

A IA em Portugal está organizada em torno da APPIA - Associação Portuguesa Para a Inteligência Artificial (http://www.appia.pt/), que realiza uma Escola Avançada e um Encontro Internacional em anos alternados, e de dois centros de investigação específicos. São estes o LIACC – Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores da Universidade do Porto (http://www.ncc.up.pt/liacc/index.html), que suporta o Mestrado em Inteligência Artificial e Computação (http://www.liacc.up.pt/mestrados/), e o CENTRIA – Centro de Inteligência Artificial da Universidade Nova de Lisboa (http://centria.fct.unl.pt/), que mantem o Mestrado em Inteligência Artificial Aplicada. Existem ainda algumas empresas que se dedicam a comercializar produtos próprios de IA: a Heurística, a Siscog e a Servisoft.

Artigo complementar

Luís Moniz Pereira. Inteligência artificial: mito e ciência, Revista Colóquio/Ciências, Fundação Calouste Gulbenkian, nº3, pp. 1-13, Lisboa, Outubro 1988.

Livros Recomendados

Helder Coelho, "Sonho e Razão – Ao Lado do Artificial", Relógio D’Água, 1999. Uma introdução em português, os grupos de IA em Portugal, e uma lista de sites na Internet.

Daniel C. Dennett, "Brainchildren – Essays on Designing Minds", Penguin Books, 1998. Para as ligações filosóficas da IA.

Daniel Crevier, "AI: The Tumultous History of the Search for Artificial Intelligence", Basic Books, 1993. Para a história da IA.

Steven Pinker, "How the Mind Works", W.W.Norton, 1997. Para a ligação da IA às Ciências Cognitivas.

Stuart Russell, Peter Norvig, "Artificial Intelligence – A Modern Approach", Prentice Hall, 1995. Livro de texto substancial e exaustivo, com muitas referências.

Stuart Shapiro (ed.), "Encyclopedia of Artificial Intelligence", J.Wiley, 2ª edição, 1992. Para aprofundamento de tópicos específicos.